Medical Valley à gaúcha
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21/11/2016 às 16h27minUm alemão sorridente, de apenas 32 anos, que fala bem português e uniu conhecimento de Engenharia Mecânica a inovações para melhorar a saúde das pessoas lidera a implantação de um cluster com potencial de alavancar a economia gaúcha. Tobias Zobel, diretor do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade de Erlangen-Nuremberg (FAU, na sigla em alemão) e diretor executivo do Medical Valley, na região da Bavária, dedica-se a injetar no Rio Grande do Sul condições para repetir o sucesso obtido pelo polo emergente na região alemã. O Estado se tornou em outubro, quando o governador José Ivo Sartori esteve no país, um dos três hubs mundiais da iniciativa, que tem ainda Estados Unidos e China. O diretor executivo previne, porém, que não há milagre de multiplicação de projetos e investimentos. O segredo, avisa, é a confiança entre os envolvidos.
JC Empresas & Negócios – O que é o Medical Valley?
Tobias Zobel – A iniciativa começou em 2007 para reverter uma profunda crise na cidade de Erlangen, que sofreu a maior queda da renda na Alemanha. O prefeito da cidade propôs criar um centro europeu de Engenharia Biomédica, unindo hospitais, empresas e a FAU. Muitos riram da proposta. Mas o Medical Valley surgiu como uma associação aproximando segmentos empresariais, de saúde e ensino e pesquisa e deu resultado. Erlangen ostentou em 2015 a maior renda per capita do país! O polo gera hoje 60% das patentes em Engenharia Biomédica da Alemanha, são 500 empresas, 75% instaladas em um raio de até 15 quilômetros, entre pequenas, médias e grandes, como Siemens Healthcare, Adidas e Puma. São 100 mil habitantes na cidade, e 120 mil empregos.
Empresas & Negócios – Por que deu tão certo?
Zobel – Fazemos a comunicação e criamos uma cultura de confiança e colaboração, algo que não era fácil, mesmo na Alemanha. Um dos momentos mais importantes são os encontros feitos para discutir temas de interesse onde empresas, hospitais e pesquisadores falam de tecnologia. Fizemos 400 em 2015, mais de um por dia! São encontros de uma hora e, no fim, após a discussão, tomamos cerveja. É verdade! É importante, pois as pessoas valorizam trabalhar juntas, e a vida não é só negócios. Acredito que isso será mais complicado, por causa da desconfiança que vemos no Brasil, ligado talvez a questões políticas, corrupção etc. Será muito difícil (implantar o cluster) se não superarmos isso.
Empresas & Negócios – Como o Estado e o Medical Valley se aproximaram?
Tobias Zobel – Tudo começou há quase três anos, quando vim ao Brasil com a tarefa de verificar a infraestrutura para reproduzir o cluster da Alemanha. Foi antes da crise atual, quando o mundo queria investir no País, que foi a nossa escolha. Percorri o Brasil olhando as condições, a dinâmica local e comunicação entre empreendedores, área saúde e pesquisa. Em alguns locais, havia os setores, mas pouca comunicação. O médico que tem uma ideia, por exemplo, precisa falar com um engenheiro. Vi que essas conexões eram difíceis, como a mobilidade. É preciso chegar em poucos minutos de uma unidade para outra, o que afeta o potencial de desenvolvimento. Em Porto Alegre, vi o interesse claro dos setores em se organizarem para instalar um cluster similar e independente. Fiquei impressionado com a dinâmica entre universidades, hospitais e empresas gaúchas! Por isso, o Estado foi a nossa escolha.
Empresas & Negócios – Como está a implantação?
Zobel – Criamos há um ano e meio oficialmente a iniciativa do Medical Valley no Rio Grande do Sul, e, há um ano, trabalhamos para montar uma infraestrutura, sensibilizando empresas da Alemanha para virem para cá. No começo, elas teriam distribuição de produtos e serviços no mercado local, mas depois queremos que criem produtos novos no cluster.
Empresas & Negócios – Quais são os primeiros projetos?
Zobel – O primeiro projeto que começa ainda este 2016 e deve durar três anos é liderado pela Siemens Healthineers do Brasil, com aplicação inicial de R$ 10 milhões para estudos em tecnologias para melhorar o manejo dos pacientes em uma sala de cirurgia. O projeto será desenvolvido no Tecnosinos. Pelo cluster também, doutores alemães farão intercâmbio no Brasil, que mandará professores para fazer pós-doutorado em Erlangen. Esse luxo é possível devido ao acordo entre a FAU e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Brasil. Em contrapartida, o governo alemão aportará recursos.
Empresas & Negócios - Há novos projetos à vista?
Zobel – Como efeito do primeiro, professores e pesquisadores do Estado vão conhecer o Medical Valley. Virão novas oportunidades de criar projetos pela demanda de mercado e novas tecnologias. Enxergamos um potencial em todo o território gaúcho. Vamos ter uma pessoa representando nosso cluster aqui. Já sugerimos usar o nome de Medical Valley brasileiro, mas quem define é o grupo que organiza a iniciativa, que busca uma marca independente, o que é muito positivo.
Empresas & Negócios – Será preciso formar mais profissionais e em novas áreas?
Zobel – Sim. Já falamos com as universidades. A Unisinos criará o curso de Engenharia Biomédica, mas há mais áreas. Precisa ter mais cursos em Engenharias e Informática e sistemas de gestão de saúde.
Empresas & Negócios – Quais são os desafios daqui para frente?
Zobel – Ninguém pode esperar que já em 2017 teremos um grande número de empresas no polo gaúcho. Não é um milagre. É uma iniciativa que facilitará a criação da estrutura. Precisamos da ajuda do governo, mas somente onde ele deve atuar, como reduzir a burocracia para empresas que querem vir ao Brasil, ou aquelas que querem sair para atuar no exterior, além das estruturas de atração de investimentos, como a Sala do Investidor na Secretaria de Desenvolvimento. Queremos mostrar que se uma empresa for desenvolver tecnologia biomédica tem de pensar no Rio Grande do Sul daqui para frente.
Fonte: Jornal do Comércio