Os três estados do sul do Brasil escapam dos piores danos causados pela recessão

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28/11/2016  às  9h17min

[25/11/2016] Tendas para venda de banana e coco podem ser vistas em qualquer estrada do Brasil. Nas estradas secundárias dos três estados do sul — Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul— o que mais se vê são os embutidos. Como os gnomos dos jardins, que às vezes ficam de guarda, as salsichas são uma herança dos imigrantes da Alemanha, da Polônia e de outros países da Europa central, os quais, juntamente com os italianos do norte, se estabeleceram na região na metade do século XIX.
O sul do Brasil, uma área do tamanho da França com uma população de 29 milhões, parece, em alguns aspectos, uma região aparte. As temperaturas podem cair para menos de zero nas regiões montanhosas. Barracos em bairros pobres das cidades costeiras são cobertos por telhados reclinados como se tivessem sido construídos para a neve. Os sulinos preferem o chimarrão ao cafezinho, e tem sua atenção mais voltada para o Uruguai e a Argentina do que para o resto do Brasil. Florianópolis, a capital de Santa Catarina, possui voos para Buenos Aires, mas não para Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, segundo maior estado brasileiro.
Atualmente, a diferença sobre as quais os sulistas mais falam é a econômica. Embora a região não tenha sido poupada da pior recessão na história recente do país, os seus efeitos foram mais amenos. A taxa de desemprego no sul dobrou para 8% desde o início da recessão, em 2014, mas permanece bem abaixo da média nacional, de 11,8%. As receitas dos impostos sobre as vendas acompanharam o ritmo da inflação, um sinal de que o consumo foi consistente. Em São Paulo, maior polo industrial do Brasil, as receitas caíram em termos reais. Essa pujança tem suas origens na história da indústria, mas a região também tem lições para ensinar ao resto do Brasil.
A sorte do sul começa com o clima e a geologia. A região não é favorável ao cultivo de cana-de-açúcar e café, commodities que atraíram os magnatas portugueses ao nordeste do Brasil, onde estabeleceram uma economia baseada na extração e na exploração de mão-de-obra escrava. Os depósitos minerais estimularam as concentrações de riquezas e poder em outras regiões. As terras agrícolas do sul, indicadas para as culturas de trigo e milho, atraíram camponeses pobres que adquiriram pequenas propriedades e as cultivaram. Ainda hoje, apenas uma em cada sete fazendas no Rio Grande do Sul tem mais de 80 hectares (198 acres).
As agruras enfrentadas levaram à criação de uma cultura de autossuficiência. “Era preciso ser empreendedor apenas para sobreviver” explica o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo. As tradições de independência e propriedade familiar moldaram os negócios atuais. O sul é o centro do equivalente brasileiro do Mittelstand, as médias empresas alemãs.
Os hábitos de cooperação também foram importantes. As várias cooperativas de crédito do sul proporcionam às empresas um melhor acesso ao financiamento do que aquele disponível em outras partes do Brasil. A Coam, do Paraná, com 27.000 membros, é a maior cooperativa da América Latina. Os sulistas também se uniram em prol da educação de seus filhos, fundando “universidades comunitárias” pagas não apenas nas grandes cidades. Chapecó, uma cidade de 180.000 habitantes, localizada no interior de Santa Catarina, conta com duas dessas universidades.
Esse histórico legou à região uma classe média relativamente grande e menor desigualdade do que no resto do Brasil. O seu PIB per capita está acima da média. A principal contribuição dos governos foi não desperdiçar essas vantagens. Os alunos da região têm desempenho superior aos de muitos outros alunos brasileiros em testes internacionais. Os seus governos impuseram uma burocracia menos danosa às empresas do que a existente no Brasil. Os estados do sul são os mais competitivos do país. Em um ranking da Economist Intelligence Unit, empresa irmã da The Economist, o Paraná e Santa Catarina ocupam o segundo e o terceiro lugares após São Paulo. O Rio Grande do Sul está em nono lugar entre os 27 estados brasileiros.
Esses aspectos contribuiram para que o sul tivesse o tipo de economia que o Brasil gostaria de ter: uma economia diversificada e muito independente do ciclo de commodities. As indústrias extrativas respondem por menos de 1% do PIB, comparadas à média brasileira de 4%. O setor industrial produz 16-22% do total comparado a 12% no Brasil.
Os investimentos estrangeiros estão estimulando a vantagem industrial do sul. A fabricante de automóveis BM abriu sua primeira planta brasileira em Santa Catarina, há dois anos. A rival francesa Renault está gastando 740 milhões de reais (US$ 218 milhões) para expandir uma planta no Paraná.
O pujante setor de tecnologia é em grande parte desenvolvido internamente. Florianópolis é um dos principais polos de startups. As suas empresas de tecnologia pagam mais impostos do que o bem desenvolvido setor turístico da cidade. As capitais dos outros dois estados estão logo atrás.
Muitas das empresas de tecnologia da região cresceram a partir de sua vocação para a agricultura, em resposta a uma ambição brasileira de construir indústrias de alto valor agregado, a partir de seus principais recursos naturais. Uma startup em Pato Branco, uma cidade bem organizada, de 80.000 habitantes, no interior do Paraná, usa drones para mapear áreas agrícolas. Em Florianópolis, a Agriness lançou um software destinado a monitorar a saúde de 1,6 milhão de porcas, o equivalente a 80% da produção de carne suína do Brasil.
Empresas com baixo uso de tecnologia também estão agregando mais valor. Em Concórdia, no interior montanhoso de Santa Catarina, a BRF, maior exportadora mundial de frangos, estabeleceu uma produção Halal para as vendas ao Oriente Médio. Ela lançou um presunto defumado para uma clientela diferente: gourmets de São Paulo. Uma unidade próxima da Embrapa desenvolveu uma raça suína que produz carne com baixo teor de gordura para esses clientes. Embora a agricultura represente um décimo do PIB da região sul, tal engenhosidade aumenta a contribuição do setor agrícola no PIB, que chega à metade.
Os sulistas queixam-se de que os grandes problemas do Brasil, alguns dos quais de responsabilidade dos governos da região, os impede de avançar. Santa Catarina e Paraná estabilizaram suas finanças, tal como o governo federal está buscando fazer. Porém, o Rio Grande do Sul possui um dos maiores déficits do país. Em 22 de novembro, a exemplo do Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul declarou estado de “calamidade financeira”, um prelúdio para solicitar ajuda federal. O estado pretende demitir 1.200 trabalhadores e reduzir salários.
A infraestrutura deixa a desejar. O percurso de 460 km entre Concórdia a Florianópolis pode levar 11 horas de caminhão. Os governadores da região admitem que deveriam realizar mais esforços conjuntos para solucionar o problema, especialmente através de lobbies junto ao governo federal para melhorar as estradas e construir ferrovias.
Os empregadores do campo temem um “êxodo rural” que poderia prejudicar o agronegócio no longo prazo, diz Rafael Menute, que dirige a unidade da BRF em Concórdia. O percentual da população rural na região caiu de 18% para 14% na década passada. Para estimular a permanência das pessoas, a empresa está pagando mais aos seus 1.200 fornecedores. O prefeito de Pato Branco, Augustinho Zucchi, pavimentou estradas rurais para facilitar o acesso dos filhos dos agricultores às casas noturnas da cidade.
Nas cidades, os empresários preocupam-se com os custos do sucesso. Everton Gupert, co-fundador da Agriness, teme que o aumento dos preços dos imóveis afaste profissionais de nível superior de Florianópolis. Juliano Froehner, um empreendedor em série, cujo último empreendimento foi um serviço destinado a lembrar os pais de levar seus filhos para exames de saúde, passa dez dias por mês na cidade de São Paulo, porque ela é ainda o maior centro financeiro e de desenvolvimento de talentos. Porém, até mesmo os paulistanos mais convencidos das vantagens de sua cidade não perguntam a Froehner porque ele passa o resto do seu tempo no sul.

Fonte: The Economist